quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Skinner

SKINNER, MATERIALISTA METAFÍSICO?

"Never mind, no matter"
José Antônio Damásio Abib

"A ciência frequentemente fala sobre coisas que não pode ver ou medir."
(Skinner,1969)

"Skinner é um materialista metafísico."
(Flanagan Jr.,1980)

Imagine o leitor uma Psicologia que, do ponto de vista da análise experimental ou mesmo da interpretação, nada tenha a propôr sobre o conhecimento da experiência subjetiva. Imagino que esta ciência, por mais rigorosa e sistemática, não deve despertar maior interesse, além talvez, de mera curiosidade técnica ou intelectual. Se pensar que uma ciência do comportamento deve tratar apenas do visível, sugiro que a leitura será perda de tempo que você poderá empregar em coisas, quem sabe, mais úteis. Se, por outro lado, achar que seria interessante examinar o que uma ciência do comportamento pode dizer acerca da experiência subjetiva, então este texto talvez tenha alguma serventia. Para mostrá-lo, comentarei alguns pontos da ciência do comportamento na versão skinneriana, conhecida como teoria do comportamento operante. Não me preocupo aqui com os conceitos e leis básicas desta teoria. Apenas os utilizo no propósito de ver como esta teoria pode abordar a experiência subjetiva. Na verdade, meu objetivo maior é esboçar, assim, algumas proposições gerais - nem sempre explícitas no pensamento de Skinner - sobre a filosofia do comportamento operante: o behaviorismo radical.

UM GOLPE DE VISTA NA HISTÓRIA DO BEHAVIORISMO RADICAL: DEPOIS DE 1945...

Uma vista d'olhos mais demorada sobre os escritos de Skinner - cuja primeira publicação data de 1931, perfazendo até hoje, entre artigos e livros, obra já volumosa - indica um autor inicialmente preocupado em formular uma teoria do comportamento. Em 1945, ao participar de um simpósio sobre o operacionismo, Junto com Feigl, Bridgman e Boring - entre outros - apresentam um artigo intitulado "A análise operacional de termos psicológicos", onde rompe explicitamente com a interpretação operacionista em Psicologia feita por behavioristas metodológicos como Stevens, Tolman e o próprio Boring. Sua obra posterior é estritamente marcada pela posição que tomou nessa reunião. Como tentaremos demonstrar, esta mudança é visível já no seu clássico O comportamento dos organismos, de 1938, embora só se torne explícita em Ciência e comportamento humano, de 1953, ou ainda, no Comportamento verbal, de 1957. Em Ciência e comportamento humano, já é extensa e complexa sua análise sobre a experiência subjetiva, como também já se torna clara a feição que o operacionismo toma em suas mãos. É a sua interpretação operacional de eventos privados que o diferencia de forma nítida dos behavioristas metodológicos e que o leva a auto-intitular-se behaviorista radical.

Os behavioristas metodológicos sustentam que eventos privados não podem ser interpretados pela Psicologia, uma vez que esta é uma ciência e, como tal, deve lidar apenas com eventos públicos. Termos psicológicos como cognição, intenção e outros, que supostamente se referem a eventos subjetivos, são então operacionalizados a tal ponto que o conceito se torna, no espírito da orientação de Bridgman, sinônimo de um conjunto de operações. Se um homem tem um costume antigo de sempre buscar seu vinho predileto em certa adega de sua cidade e em determinado dia não o acha, pode ficar profundamente desorientado. Os behavioristas metodológicos diriam que este homem teria a seguinte "cognição": "tal adega tem aquele vinho", que foi obstruída pela falha de fornecimento da bebida. Além disso, diriam que foi a crença que conduziu o homem à adega e será a pertubação de tal crença que, após produzir alguns momentos de desnorteamento, criará as condições para que busque o vinho em outros fornecedores. Eventos subjetivos -sensações, sentimentos- que estiverem presentes na crença e em sua decepção são privados e não são considerados na conceituação, seja da crença original, seja nas novas reações de busca. Para conceituar a crença do indivíduo, consideram-se apenas os eventos ambientais (vinho, adega, ...) em suas relações com as reações públicas do cidadão (ir à adega, não encontrar o vinho e dirigir-se a outro estabelecimento). Por outro lado, e perpassando os conceitos motivacionais implicados, é por causa de sua crença que o cidadão se dirige àquela adega e não a outra. Ou seja, é no conceito psicológico definido por meio de eventos públicos que se encontra a explicação do comportamento.

Skinner objeta a estes dois aspectos do behaviorismo metodológico. Por um lado, não é no enfoque operacional bridgmaniano e sistemático dos conceitos psicológicos que se encontra a explicação do comportamento. Esta explicação deve ser realizada através das contingências de reforçamento. Por outro lado, um projeto para a psicologia, que inclua os eventos privados de suas considerações, apresenta pelo menos dois graves inconvenientes. primeiro, a Psicologia seria algo como uma sinfonia inacabada, pois ela (justo a Psicologia!) nada poderia falar sobre os eventos privados. Segundo, uma Psicologia que afirma a existência de eventos subjetivos, como é o caso do behaviorismo metodológico, mas que por critérios metodológicos os relega a planos secundários, deixa espaço em seu interior para a sobrevivência da questão metafísica da relação entre alma e corpo; um espaço para o "ghost in the machine".

Com efeito, não é ignorando a experiência subjetiva que se esboçam perspectivas para um enfoque fisicalista em Psicologia. Pelo contrário, é precisamente esse descaso com o que se passa sob a pele que estimula a discussão da dicotomia mente-corpo.

Não é certo que sempre onde existem pelo menos duas pessoas, resta sempre a dúvida se nossas alegrias, tristezas e imagens não desempenham um papel nas relações com o comportamento?

FEELING: O ATO DE SENTIR, O QUE É SENTIDO

Parece-me que o melhor procedimento para compreender a interpretação skinneriana dos eventos privados seria examinar como ele mesmo aborda os mais variados tipos de experiência subjetiva, para em seguida extrair proposições mais gerais que se apliquem a todos os casos. Obviamente, um empreendimento dessa ordem não teria aqui cabimento ou espaço. Buscarei centrar-me no que Skinner chama de feel para esboçar proposições que imagino de alcance geral. Entretanto, apenas testes que explorem eventos privados de outros tipos podem dar a palavra final.
O termo feel não possui um corespondente em nossa língua que traduza todo o seu sentido. Como verbo, pode ser traduzido por tocar, tatear, sentir. Como substantivo, categoria gramatical que também apresenta a forma feeling, sua tradução pode assumir o sentido do tato, sentimento, opinião e até amor. Posso usar o termo feel traduzido por tocar, em um sentido ativo ou passivo, como quando toco um objeto do mundo e tenho a sensação desse objeto. Tal é seu sentido passivo ou, ainda, quando toco uma superfície no propósito de descobrir como ela parece, da mesma forma que olho algo para descobrir seu aspecto. Tal é seu sentido ativo. No caso ativo, pode-se dizer que tocar a superfície é um comportamento preliminar que clarifica a superfície. Quando ocorrem estados ou eventos que estão dentro do corpo, por exemplo, contrações do estômago na fome, bexiga cheia, descarga de adrenalina e pulsação aumentada quando somos agredidos, existe também um feel, só que agora no sentido de sentir. Porque, embora sintamos dor nas contrações de fome ou medo quando da descarga de adrenalina, não temos uma mão que possa percorrer ou tatear estes eventos internos para descobrir como eles são ou parecem, ou seja, não temos um sentir ativo, porque o nosso sistema nervoso, ao longo de sua evolução, não desenvolveu um órgão que pudesse inspecionar as condições internas. É um sentir mais próximo do sentido passivo de sentir. Não obstante estas diferenças, o fato é que sentimos. "Never mind, it is a matter of fact".

Partindo destas considerações afirmo que o feel implica tanto o que é sentido quanto o ato de sentir ou, exemplificando, quando sinto uma dor de dente existe a condição corporal que produz a dor e a própria dor. Portanto, uso a palavra sentir para indicar a relação entre o ato de sentir e o que é sentido.


EVENTOS PRIVADOS: FISICALISMO EPIFENOMÊNICO

Neste ponto formulo quatro questões sobre o sentir. São reais os sentimentos? Se reais, qual sua natureza? Qual sua relação com o comportamento? E como é possível o acesso a sentimentos, se são privados?

Sobre a primeira questão (se é real o sentir) Skinner responde: "É real que uma pessoa que está algum tempo sem comer, come e também sente fome. Uma pessoa que foi atacada responde agressivamente e também sente raiva. Uma pessoa que não é mais reforçada, quando responde de certa forma, passará a responder menos e também se sentirá desencorajada ou frustrada". Os sentimentos são reais, isto é, existem. Mas, sendo reais, qual é a sua natureza? Retomando o conceito de sentir como sendo a relação entre o ato de sentir e o que é sentido, qualifiquemos mais precisamente o que é sentido. Sentimos sensações provenientes de estímulos interoceceptivos quando, por exemplo, sentimos as dores das contrações do estômago; sentimos estímulos proprioceptivos quando sentimos, por exemplo, cansaço muscular. Sentimos ainda os comportamentos tanto reflexos quanto operantes. Quando digo "sinto que vou vomitar", o que sinto são as condições estimuladoras que em minha história passada foram associadas ao comportamento de vomitar, ou sinto ainda respostas incipientes de vomitar, precursoras da resposta final de vomitar. Similarmente, quando retorno à casa de meus pais e vislumbro, por exemplo, o velho abacateiro, companheiro de minha infância, sinto as condições estimuladoras que em minha história passada foram associadas com o comportamento de subir no abacateiro, e sinto as respostas incipientes -vejo-me subindo no abacateiro- que são também precursoras da resposta final de subir no abacateiro. Se o que é sentido são relações entre respostas e estímulos proprioceptivos ou interoceptivos e estas relações são eventos corporais então o que é sentido é físico. O que é sentido pode ser medido pelos instrumentos da fisiologia, e é uma das variáveis independentes que controlam o comportamento, inclusive o comportamento verbal. E ainda é o que é tratado pelo dentista ou psiquiatra, e não existe impossibilidade lógica ou empírica para o seu acesso. O que é sentido é observável, mensurável, manipulável, acessível e pode, portanto, assumir o papel de causa explicativa.

Embora não exista qualquer dúvida sobre a natureza física do que é sentido, não existe em Skinner nenhuma tese explícita sobre a natureza do ato de sentir. Não obstante, comecemos nosso exame do assunto, abordando-o indiretamente através da análise da acessibilidade do ato de sentir. Skinner, referindo-se à qualidade reforçadora de sons de pássaros, diz: "As condições geradas dentro do corpo do ouvinte permanecem privadas para sempre...". Em outro texto encontra-se: "O behaviorismo não reduz sentimentos a estados corporais.... Ou ainda: "Como pode uma personalidade, idéia, sentimento ou propósito afetar o instrumento do fisiólogo"? Sobre o ato de sentir, podemos afirmar que ele não pode ser medido pelos instrumentos do fisiólogo e é no máximo um subproduto do comportamento. E podemos afirmar que não pode ser tratado pelo dentista ou pelo psiquiatra, ou ainda, que é privado para sempre. O ato de sentir não é observável, mensurável, manipulável, acessível e, portanto, não tem força explicativa.

Duas conseqüências advêm desta diferença de posição sobre o que é sentido (é físico e acessível) e o ato de sentir (é inacessível). Em primeiro lugar, quanto ao acesso, existem dois tipos de eventos privados. Estados e condições corporais internas são eventos privados acessíveis através de instrumentos, mesmo supondo que estes instrumentos ainda não existam.

Entretanto, isto não constitui obstáculo à sua acessibilidade, uma vez que este acesso seria possível com o progresso técnico-científico. Não existe então impossibilidade lógica ou empírica, pois é imaginável teoricamente e realizável empiricamente. Nesse sentido, talvez, a diferença entre eventos privados e públicos pudesse ser definida em termos de graus de acessibilidade e jamais de diferença de natureza. Por outro lado, o ato de sentir é, como já dissemos, privado para sempre, e portanto, por princípio, inacessível. Assim como não faz sentido afirmar que o vermelho que vejo é igual ou diferente do vermelho que outra pessoa experiencia (vê), também não faz sentido descrever qualidades do ato de sentir de outra pessoa. Não existem e nunca existirão instrumentos que possam medir estas experiências, e é por isso que dizemos que são privadas para sempre. Mas é precisamente a tese da inacessibilidade, por princípio, do ato de sentir que introduz a segunda conseqüência originada pela diferença de posição entre o que é sentido e o próprio ato de sentir. Ao se omitir sobre a natureza do ato de sentir e, não obstante, afirmar sua inacessibilidade, Skinner não estaria - da mesma forma que os behavioristas metodológicos - deixando espaço para uma interpretação mentalista do ato de sentir? Creio que não, uma vez que o ato de sentir é um produto das contingências de reforçamento que atuam sobre o comportamento operante, como ainda o ato de sentir é um produto das condições corporais internas. Tal como o comportamento operante, as condições corporais internas são eventos físicos e provavelmente o ato de sentir é também de natureza física. Além disso, Skinner quer saber onde estão estes sentimentos, estados mentais e também de que estofo eles são feitos. Uma resposta tradicional seria a de que estes sentimentos e estados mentais estariam localizados num mundo de dimensões não-físicas. Mas aí surge uma outra questão. Como é possível que um evento mental cause ou seja causado por um evento físico? Existiria, portanto, uma contradição interna no pensamento de Skinner, se admitíssemos que o ato de sentir é mental, pois de que forma eventos físicos - comportamentos e condições corporais internas - produziriam um efeito mental? Logo, é mais coerente admitir que os sentimentos sejam também físicos. Não como uma entidade autônoma, mas no sentido de um produto ou propriedade do comportamento e de condições corporais. Talvez seja nesse sentido que Skinner diz: "Minha dor de dente é tão física quanto minha máquina de escrever". A dor, neste exemplo, não é física no mesmo sentido da máquina. A dor é física como produto ou propriedade da condição física do dente. O ato de sentir é, portanto, um efeito físico do comportamento e das condições corporais, mas o ato de sentir não é causa do comportamento. E neste ponto, a posição de Skinner é claramente epifenomênica.

Do ponto de vista da causação, a relação entre o ato de sentir e o comportamento é assimétrica, uma vez que o ato de sentir é um efeito do comportamento mas não é causa dele. Aqui cabe a questão: porque o ato de sentir não determina o comportamento? É necessário entender o operacionalismo de Skinner. Para que se possa dizer que eventos privados ou públicos determinam o comportamento, é imprescindível que estes eventos sejam observáveis, mensuráveis e manipuláveis. Mas o ato de sentir é privado para sempre, logo, não pode ser observado, medido ou manipulado. Além disso, Skinner sofre as influências do pragmatismo filosófico que orientam seu interesse para a previsão e controle do comportamento. Mas, se o ato de sentir não pode ser observado, medido ou manipulado, conseqüentemente, as relações entre sentir e comportar-se também não podem ser observadas. Como é possível, então, fazer previsão e controle do comportamento a partir da experiência subjetiva, na ausência das leis experimentais necessárias? Não obstante, pode-se argumentar da maneira seguinte: "De que modo é possível que o ato de sentir seja físico, e portanto faça parte de um sistema físico, sem produzir efeitos físicos?" E se o ato de sentir produz efeitos físicos, como Skinner pode sustentar que a experiência subjetiva é um epifenômeno?" Embora ele não negue que o ato de sentir produz efeitos físicos, estes são de menor importância. O que ele nega efetivamente é que a experiência subjetiva determine de forma importante o comportamento operante. Um pai pode ensinar seu filho a dizer "estou faminto" não porque o pai esteja sentindo o que a criança sente, mas porque pode observar como ela come vorazmente. A criança pode aprender a descrever seus sentimentos com alguma precisão. Mas, argumenta Skinner, "o caso não é sempre assim, porque muitos sentimentos produzem manifestações comportamentais indistintas". Em outro texto diz: "A descrição de um estado de sentimento, por mais precisa que seja, não pode corresponder exatamente ao estado sentido". Aqui ele está dizendo duas coisas. Em primeiro lugar, que o ato de sentir não pode ser completamente descrito pelo comportamento verbal ou reduzido a esta descrição, isto é, que o ato de sentir não pode ser reduzido nem ao que é internamente sentido, nem ao comportamento verbal que o descreve. É a comunidade que nos ensina a relatar o que se passa sob a pele e o ato de sentir é inacessível a esta comunidade. Conseqüentemente, a descrição que fazemos do que se passa quando sentimos será necessariamente imcompleta. Nas palavras de Skinner: "Ao invés de concluir que o homem só pode conhecer sua experiência subjetiva - e que ele está limitado para sempre ao seu mundo privado e que o mundo externo é apenas um construto - uma teoria comportamental do conhecimento sugere que é o mundo privado que, embora não seja inteiramente desconhecido, não pode, provavelmente, ser tão bem conhecido como o mundo externo". Em segundo lugar, já que a experiência subjetiva é física, e incompleta a descrição que dela fazemos, é compreensível que possa produzir efeitos físicos indeterminados. Além disso, importa muito em nosso relacionamento social a existência da experiência subjetiva. Se pergunto a certa pessoa se está aborrecida ou triste comigo e se sua resposta for afirmativa, posso mudar meu comportamento em relação a ela. Na ausência da dimensão subjetiva da experiência, a experiência social acima descrita seria literalmente impensável.

A posição epistemológica de Skinner sobre os eventos privados parece então ser muito original. Ela implica um monismo fisicalista epifenomênico2. Por um lado é diferente da posição epifenomênica clássica que considera a explicação subjetiva constituída de sutil "matéria" mental. Por outro lado diferencia-se do monismo fisicalista do behaviorismo metodológico que exclui do campo da Psicologia a interpretação dos eventos privados.


REALISMO EMPÍRICO: CONTATO COM O POSITIVISMO LÓGICO?

Filósofos e psicólogos têm recentemente defendido a tese de que a filosofia do comportamento de Skinner é um materialismo filosófico, materialismo metafísico ou ainda materialismo eliminativo. O principal argumento que usam em defesa desta tese é a característica fisicalista da experiência subjetiva. Já vimos que Skinner não compreende como um evento mental pode determinar ou ser determinado por eventos físicos. Conseqüentemente, o próximo passo foi rejeitar a oposição mental-físico, substituí-la pela oposição privado-público e concluir que tanto os eventos privados quanto os públicos são físicos. Em suas palavras: "Eventos privados e públicos têm os mesmos tipos de dimensões físicas" (1969, p.228). Após citar várias proposições skinnerianas similares à anterior, Richard Creel conclui: "Em vista destas proposições, que persistem já há três décadas, não vejo razão para duvidar que Skinner defende o materialismo filosófico" (op.cit., p.34). Utilizando o mesmo tipo de argumento (o fisicalismo skinneriano), Flanagan Jr. qualifica de metafísica a abordagem que Skinner desenvolve sobre os eventos privados. Nas palavras de Flanagan3 :"...sua estratégia tem sido tomar consistentemente a posição metafísica de que eventos públicos e privados são igualmente legítimos e físicos e diferem somente em sua acessibilidade". Em outro trecho, Flanagan explicita claramente o que considera a natureza metafísica do materialismo skinneriano: "Assim a tese de que o behaviorismo tem importantes elementos ontológicos e metafísicos, implica que o que existe é a matéria...Skinner é um materialista metafísico". Mahoney identifica o behaviorismo radical com o behaviorismo metafísico. Para ele as feições básicas do behaviorismo metafísico, nas mãos de John Watson, são: a negação da existência da mente e estados mentais; a redução de toda experiência a movimentos musculares e secreções glandulares; a proposição de que os processos conscientes, se existem, estão além do campo de investigação científica. Em seguida afirma: "O behaviorismo radical ou metafísico não sobreviveu em sua forma original. Embora o "Sobre o Behaviorismo" de Skinner, 1974, sustente o monismo materialista, ele está muito longe de uma perspectiva ortodoxa watsoniana". Blanshard entende que, embora Skinner não negue explicitamente a realidade dos eventos privados, tal realidade é implicitamente negada quando assume o materialismo filosófico - posição que Skinner sustenta, segundo Blanshard. Em outras palavras, para Blanshard, o materialismo de Skinner seria eliminativo, no que se refere à existência da experiência subjetiva. De acordo com Richard Creel, o raciocínio de Blanshard seria o seguinte: "Não existe espaço para sentimentos no mundo da matéria. Skinner é materialista. Logo, Skinner nega a existência de sentimentos". Um raciocínio similar a este de Blanshard pode também estar por trás da classificação que Bunge faz de Skinner, quando analisa as oposições entre o monismo e o dualismo psicofísico. Passando a palavra a Bunge: "Para Skinner nada é psíquico: materialismo eliminativo". Se, por psíquico, se quer dizer mental, então Bunge está certo. Com efeito, para Skinner nada seria, então, psíquico. Mas, quando Bunge diz que o materialismo é eliminativo, a qualificação de eliminativo pode estar indicando, não que Skinner negue explicitamente a experiência subjetiva, mas que, como não existe espaço no mundo da matéria para a experiência subjetiva, então, esta experiência seria eliminada das considerações da Psicologia.

Nossa tarefa agora é examinar esta tese esdrúxula, segundo a qual a versão do behaviorismo radical de Skinner implica num materialismo metafísico. Em primeiro lugar, é necessário compreender as motivações que levam Skinner a admitir estatuto e dimensões fisicalista à experiência subjetiva. Skinner é um psicólogo de orientação empírica e pragmática, como já tivemos ocasião de indicar. Consequentemente, como empirista, os eventos privados devem ser passíveis de observação, mensuração e manipulação em uma ciência do comportamento que tem por princípio o dever de investigá-los experimentalmente. Herdeiro do pragmatismo, Skinner está interessado na previsão e controle do comportamento. Ora, se a mente tem dimensões não-físicas, o projeto de uma Psicologia empírica entra em crise antes mesmo de principiar. Por conseguinte, visando a consecução de tal projeto, é condição sine que non atribuir estatuto e dimensões fisicalistas à experiência subjetiva. Mas esta orientação é de natureza epistemológica e metodológica. Não parece ser metafísica. É epistemológica quanto às possibilidades do conhecimento (empírica e pragmática). Porque o fisicalismo de Skinner não é metafísico? Porque ele não demonstra qualquer interesse intelectual por um mundo externo transcendente, ou pela realidade em si. Que me seja permitido lançar mão de um documento importante sobre esta questão: É muito simples parafrasear a alternativa behaviorista dizendo que na verdade existe apenas um mundo e que este é o mundo da matéria, pois a palavra matéria perdeu sua utilidade. Qualquer que seja o estofo do qual o mundo é feito, ele contém organismo..." É Skinner quem fala, aqui, contra o materialismo.

Não seria inoportuno recorrer aqui a Schlick que, com efeito, entre outros, insiste na distinção entre a realidade empírica e a realidade transcendente. Com este objetivo, retoma uma distinção tradicional entre o que pode e o que não pode ser imediatamente percebido. Segundo tal tradição, para se conhecer um objeto é necessário percebê-lo diretamente. O conhecimento seria uma intuição que só se realiza quando o objeto está presente diretamente ao sujeito do conhecimento, através de sensações, sentimentos etc. Consequentemente, o que não pode ser imediatamente sentido ou percebido permanece incognoscível, incompreensível, isolado no reino da coisa em si. Para Schlick, denominar o que não é imediatamente perceptível de transcendente é não compreender que, enquanto o imediatamente perceptível à experiência ou à relação direta com as coisas, aquilo que é imediatamente perceptível pertence ao conhecimento ou à relação indireta com as coisas. Schlick fala, é claro, sobre a diferença entre experiência e conhecimente, analisando um caso da Física: "Acho que não existe físico que sustente que o conhecimento do elétron consiste no fato de ele penetrar corporalmente na consciência do investigador, mediante um ato de intuição. Considero, pelo contrário, que defenderá o critério de que para conhecer o elétron em sua totalidade, é necessário apenas determinar as leis que regulam seu comportamento e ser tão exaustivo neste processo que toda fórmula contendo alguma propriedade do elétron seja de alguma forma confirmada pela experiência." Após estas considerações, Schlick conclui que a realidade empírica é definida no âmbito do cognoscível, ao nível de relações diretas ou indiretas com as coisas: noutras palavras, ao nível da experiência ou conhecimento, sem qualquer privilégio da apreensão imediata do objeto. Por outro lado, se a realidade transcendente implica o incognoscível, como é possível supô-lo sem contradizer-se a si mesmo? Portanto, não é possível falar sobre a realidade transcendente. Qualquer proposição que se refira a esta realidade é desprovida de sentido e, consequentemente, não afirma ou nega coisa alguma sobre qualquer realidade.

Quando Skinner afirma que "a ciência frequentemente fala sobre coisas que não pode ver ou medir" (1969, p.228), de modo algum está a referir-se à realidade transcendente. Está dizendo, como Schlick, que, no mundo empírico, algumas coisas são observadas diretamente, ao passo que outras, como a experiência subjetiva, só podem ser atingidas via procedimentos inferencias, indiretos etc. É nesta mesma página da citação anterior que Skinner declara: "É particulamente importante que uma ciência do comportamento defronte-se com o problema da privacidade. Isto pode ser feito sem que se abandone a posição básica do behaviorismo. A ciência frequentemente fala sobre coisas que não pode ver ou medir". Concluindo, o fato de que um autor assuma que os dados da experiência subjetiva são da mesma natureza que os da experiência física, externa, não implica necessariamente tomar uma posição metafísica. Ouçamos Schlick sobre a questão: "A realidade que se deve atribuir aos dados da consciência é absolutamente da mesma espécie que a que reconhecemos, por exemplo, aos fenômenos físicos. Na História da Filosofia dificilmente se registra algo que tenha gerado mais confusão do que a tentativa de designar como "ser" autêntico somente um dos dois. Onde quer se empregue o termo "real", o sentido da palavra é o mesmo".

Em segundo lugar, é necessário examinar as posições explícitas de Skinner sobre o materialismo filosófico, quando este é utilizado para caracterizar a teoria do comportamento operante. É surpreendente que filósofos e psicólogos omitam as proposições explícitas de Skinner sobre esta questão. As análises destes críticos têm-se resumido a passar da posição fisicalista de Skinner para a inferência de um suposto materialismo metafísico. Além de esta inferência não parecer autorizada - seja pelas motivações (empirismo, pragmatismo) que orientam o projeto para o estudo dos eventos privados, seja pelas próprias expressões explícitas de Skinner, como vimos acima, ou ainda, pela possível vinculação à tese do realismo empírico - a omissão das teses explícitas de Skinner é grave. Pois, ainda que, por razões óbvias, as teses explícitas de um pensador não se constituam no único material para a análise de sua teoria, não deixam de ser importantes na discussão da consistência de sua obra. Considerando-se as teses explícitas de Skinner sobre a questão, pode-se dizer que, no mínimo, é problemática a tese de que o behaviorismo radical, na versão skinneriana, é um materialismo metafísico. Quando Skinner diz no Contingências de Reforçamento que a palavra matéria perdeu a utilidade, esta não é a sua primeira manifestação sobre a questão. No Comportamento dos Organismos ele discorre sobre o tema sustentando que "o materialista, reagindo a um sistema mentalista, provavelmente não aceita o comportamento como o objeto de estudo da Psicologia, porque ele deseja que os conceitos desta ciência refiram-se a alguma coisa substancial. Provavelmente, ele considerará termos que se referem ao comportamento como verbal e fictício, e em seu desejo de explanações materiais negligenciará o papel destes conceitos em uma ciência descritiva. Holt adota uma posição moderna deste tipo. Sua objeção a um termo como "instinto" parece ser redutível à proposição que não é possível encontrar o instinto "recortando e abrindo o organismo". Ainda em seu texto sobre cinquenta anos de behaviorismo coloca, como epígrafe de uma nota sobre mente e matéria, uma citação da revista Punch de 1885, a saber: "What is matter? - Never mind. What is mind? - No matter".

Resta ainda analisar se o fisicalismo de Skinner oferece obstáculo ao reconhecimento da experiência subjetiva como querem Blanshard e Bunge. Apesar do fisicalismo epifenomênico de Skinner, a experiência subjetiva existe, produz efeitos físicos indiferenciados e é importante para o relacionamento social. Além disso, o ato de sentir pode e deve ser estudado como um efeito das contingências de reforçamento à qual a pessoa é exposta. Finalmente, o que é sentido tem o estatuto de causa. Recorde-se que o que é sentido implica comportamentos operantes encobertos da mais alta importância para o estudo da experiência subjetiva, pois estes comportamentos operantes são, entre outras coisas, o substituto de imagens e lembranças na teoria do comportamento de Skinner. É claro que se Skinner fosse um behaviorista metodológico, afirmar que seu fisicalismo é eliminativo seria pertinente. Esta confusão, apesar da extrema clareza de Skinner sobre a questão, não é no entanto incomum. Flanagan, por exemplo, diz que em 1938, Skinner é um behaviorista metodológico e apenas a partir de 1945 se torna um behaviorista radical. Cita em apoio a esta tese a seguinte afirmação de Skinner do Comportamento dos Organismos: "O comportamento é definido como o que um organismo está fazendo ou mais precisamente nossa observação sobre o que fazer de outro organismo". Daí Flanagan conclui: "Skinner insiste que esta caracterização do objeto de estudo da Psicologia requer rejeição de termos psicológicos que tenham significado além da experiência imediata". Finalmente, conclui: "Exceto este caso anômalo de seu primeiro livro, Skinner não é deles". Um deles, Flanagan quer dizer: "Behaviorista metodológico como Stevens e Boring". Infelizmente, Flanagan leu mal esse trecho de Skinner. Quando Skinner diz que o "único critério para a rejeição de um termo popular é a implicação de um sistema ou de uma formação que vá além da observação imediata", ele está criticando o mentalismo que pressupõe eventos mentais em um mundo de dimensões não-físicas por trás do comportamento. Em suas palavras: "Não pretendo que uma ciência do comportamento dispense esquemas conceituais. Mas que estes não devem ser utilizados sem uma consideração cuidadosa dos esquemas que subjazem à linguagem popular". É novamente surpreendente que nesta mesma página, Flanagan não tenha notado a crítica que Skinner faz aos behavioristas metodológicos. Dada a importância da questão, que me seja permitido citar um trecho relativamente longo de Skinner: "Um conjunto de definições convencionais pode ser estabelecido sem que se ultrapasse o nível do comportamento, e isto foi de fato feito pelos primeiros behavioristas que utilizaram grande quantidade de tempo (de forma insensata, acredito) traduzindo em termos comportamentais os conceitos da Psicologia tradicional, a maioria dos quais extraídos do vernáculo. Esforços rigorosos para redefinir alguns termos do vocabulário popular com referência ao comportamento foram realizados, por exemplo, por Tolman". É, no mínimo, curioso que Flanagan considere o Skinner de 1938 um behaviorista metodológico. Pelo que se expôs, é mais prudente concluir que desde o início de seu trabalho, Skinner tende a se afastar do behaviorismo metodológico. A crítica de incompletude ou de eliminação na abordagem dos eventos privados pode ser dirigida ao operacionismo de Brigdman, ao behaviorismo metodológico de Stevens, Boring e Tolman e ao positivismo lógico da Carnap. Mas, como esperamos ter demonstrado, não a Skinner.



FRONTEIRAS DO COMPORTAMENTALISMO RADICAL: DUAS NOTAS

Skinner, em um artigo que analisa a morte do behaviorismo, sustenta que "o behaviorismo como uma filosofia do comportamento será necessariamente modificada quando a ciência do comportamento se modificar e então os problemas atuais do behaviorismo serão completamente resolvidos. O behaviorismo morrerá não por ser fracasso mas por ter sido um sucesso". Esta conclusão de que o behaviorismo morrerá por ter sido um sucesso, requer, no mínimo, duas observações. Uma, o otimismo pode ser exagerado. Procurei demonstrar que, da perspectiva skinneriana, a possibilidade de uma ciência sobre a experiência subjetiva é viável em parte, como quando procuramos analisar o ato de sentir como efeito do comportamento e das condições corporais. E, além disso, por serem promissoras as possibilidades de acesso a eventos corporais privados com a subsequente descoberta de leis que relacionam o comportamento com estes eventos corporais. Mas tanbém vimos que, do ponto de vista empírico, é impossível demonstrar o papel causal do ato de sentir sobre o comportamento. O monismo fisicalista epifenômenico ou a epistemologia da ciência do comportamento skinneriana indica possibilidades e limites para uma ciência do comportamento bem-sucedida na investigação dos eventos privados. É claro que, com referência aos eventos privados acessíveis, existe a possibilidade de análise e investigação científica, mas, com referência à experiência subjetiva, para sempre privada, as possibilidades são apenas heurísticas ou hermenêuticas. Portanto, se Skinner está querendo dizer que o behaviorismo será um sucesso porque é possível fazer a experiência subjetiva inacessível, então seu otimismo é exagerado, como acabamos de demonstrar. De fato, não acreditamos que Skinner pense desta forma. Coloco a questão apenas para dirimir eventuais dúvidas que possam surgir.

Com efeito, acreditamos que Skinner pretende dizer que o behaviorismo será um sucesso quando a ciência do comportamento avançar o que puder ser avançado ao nível da investigação dos eventos privados acessíveis e interpretar o que puder ser interpretado sobre a experiência subjetiva. É claro que isto é um mérito porque aponta os limites de uma ciência: coisa rara na primeira geração (comtemporânea de seus primeiros escritos) do positivismo eufórico.

Mas, não paira um certo sabor de desilusão (feeling) quando temos que admitir que o ato de sentir, o que há de mais intuitivamente psicológico não pode ser alcançado pela ciência do comportamento?

1 Capítulo extraído do livro: Bento Prado Jr. (org.) Filosofia e comportamento, Ed. Brasiliense, 1982.

Vem...

Aperitivos Psi


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"Como é bom poder dizer às pessoas

Que nada foi em vão

Que o amor existe,

Que vale a pena a amizade,

Que a vida é bela sim,

Que eu sempre dei o melhor de mim.

E que valeu a pena!"

Mário Quintana
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Como aliviar a dor do que não foi vivido?

A resposta é simples como um verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o
desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional."

Carlos Drummond de Andrade

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"... Eu não tenho filosofia: tenho sentidos ...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso,

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...

Amar é a eterna inocência,

E a única inocência não pensar ...

Alberto Caaeiro/Fernando Pessoa

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Tenho fases como a lua
Fases de andar escondida
Fases de vir para a rua...
Perdição da vida minha.
Tenho fases de ser tua,
Tenho outras de ser sozinha.
(Cecília Meireles)